segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Para onde foi o Ambrósio?


Anúncio de fuga de escravo publicado no Jornal Atalaia do Sul/1868
Digitalizado do Cadernos Jaguarenses vol. 2 - IHGJ 1998


 Era noite alta e fria dos meses de junho, quando, no povoado do Espírito Santo do Serrito do Jaguarão, Ambrósio, de 26 anos desapareceu em busca de sua família. Era um mulato forte, de uma sensibilidade profunda. Contam os mais antigos que dentro dos olhos de Ambrósio podia se ver duas gotas pérola, deixando seu semblante mais enigmático, encantando quem chegasse perto do rapaz. 
Todos desconhecem os motivos que levaram o pobre a colocar suas parcas roupas nas costas e sair, desatinado, noite de inverno a fora em busca de seus familiares que há muito havia perdido o contato. Viram-se pela última vez na cidade de Rio Grande, quando a desgraça do destino os separou quase para sempre.

Depois de alguns dias de caminhada, e enfrentando toda a sorte de riscos, chegou ao seu primeiro destino: a cidade de Candiota. Nesse lugar Ambrósio cria que estivesse sua família, entretanto o que possuía de concreto sobre isso eram as últimas palavras de sua mãe: “não se esqueça de mim meu filho, estaremos pelas bandas de Candiota”. E foram essas palavras que motivaram a fuga do jovem rapaz.
Sua trajetória poderia passar despercebida, se este jovem fosse uma pessoa comum, com o direito de ir e vir garantido, e não tivesse sido arrancado de sua terra natal e de sua família ainda menino e levado à fronteira jaguarense, para trabalhar sob o regime escravista, numa fazenda. Sobre esse jovem nada mais se sabe que a quantia que se pedia pela sua captura, os motivos que o levaram à fuga, o possível paradeiro e, especialmente, sua procura pela tão sonhada liberdade.
A liberdade almejada por Ambrósio só viria vinte anos mais tarde, com a abolição da escravidão em 1888. Devemos pensar, entretanto, que a lei Áurea livra os negros escravos dos açoites da senzala, como diz um antigo samba da Mangueira, mas os prende a um sistema que os deixou à margem da sociedade, além de enfrentar o preconceito étnico-racial.
Ambrósio é somente mais um exemplo de como existia a resistência, por parte dos escravos, ao cativeiro, ao açoite e ao sistema escravista, composto por grandes senhores. Sua fuga se deu em 1868 e sua figura é real, fazia parte do plantel de escravos da fazenda de Antônio Machado da Silva, e a última notícia que se sabe do seu paradeiro, foi quando passou pela cidade de Candiota, a fim de resgatar sua família e partir para o Estado Oriental e encontrar a liberdade. A sua fuga e a recompensa por quem encontrasse o pobre homem de 26 anos foi vinculada no jornal Atalaia do Sul de 1868, editado e publicado em nossa cidade. Espero que Ambrósio tenha conseguido atravessar a fronteira com sua família e alcançado seus objetivos, por agora só nos resta imaginar.
Juliana Dos Santos Nunes  (historiadora)
Esse artigo foi inspirado em um anúncio de fuga encontrado pela pesquisadora nos acervos do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão.

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