quinta-feira, 22 de setembro de 2011

MNEMOSYNE


Calliope: Aquele setembro. Mix confuso – venerar a bandeira ou o êxtase provocado pelas pernas à mostra das balizas, que iam à frente, com uniforme agaloado, abrindo o desfile que aludia ao feriado nacional, sempre mostrando habilidade no manejo de um bastão enfeitado?

Clio: A História me resgatou, naquele ano escondeu-se em nossa casa, à Rua dos Trilhos (Rua Uruguai), uma freirinha uruguaia, adepta militante da Teologia da Libertação, perseguida pela ditadura militar uruguaia, que, segundo constou para minha família, estava jurada de morte.

Erato: Escutei no toca-fitas, o tape onde eternizaste Herivelto Martins; recebi o pacote nas escadas da Minervina – em tons graves e contravenientes. E eu concluí num repente,/ que o amor é simplesmente/o ridículo da vida.

Euterpe: Summertime a la Gershwin. Sem mate no cais – que nem sempre se tomou mate na beira do cais. No entanto era esta mesma comunhão com o rio, de onde os peixes saltavam à flor d’água, saudando, em elipses prateadas, a primavera. Qualquer mina que olhasse nos olhos de um cara, depois disso, se apaixonava.

Melpomene: Teve este estranho estupor que se experimenta diante das grandes catástrofes. Não se está entendendo nada direito. Mas algo está acontecendo diante da gente. Do pátio em que estávamos vimos proliferar gente lembrando os pele-vermelhas dos filmes de cowboy. De cá, no pé do Cerro da Pólvora, num prédio da Venâncio Aires, víamos surgirem pessoas de todo o lado, que assim de longe, eram quase pontos que se moviam e, depois, parecendo insetos subiam pelas paredes da velha Enfermaria e punham-na abaixo. Era o patrimônio histórico sendo destruído. Fomos testemunhas atônitas.

Polyhymnia. De resto, como em qualquer outro mês, em que fossem celebrados os nacionais ou religiosos, sempre cantávamos no coro com Professora Verdina, em cujo repertório figuravam peças de sonoridade miraculosas, além de um hinário que remetia a obras do pai desta professora genial. Pois bem, ali, entendi que o universal da música dissolve as particularidades de cada um, pois éramos tantos e tão diferentes que nos postávamos à beira dela com seu piano, que isto me forçava a pensar: como é que ela consegue?

Terpsichore. O Cine Rio Branco – olho na fresta para os bens de cultura. Eu vi Sacco e Vanzetti, Laranja Mecânica, The Demons, e tantas outras películas, que estavam proibidas no Brasil – isto tinha um sabor especial, quando um livro de Karl Marx era contravenção penal. Mas o que importa mesmo é ter visto Zorba, o Grego. Genial interpretação de Anthony Quinn, dirigido por Cacoyannis. Ali a dança de Shiva está revelada. Agradeço ao Cine Rio Branco.

Carnaval - bicicicletas em cxs de papelão
Thalia: A vida era galharda. Turbilhão de dados hilários se amontoa e pede passagem. Desde a galinha que bebia cerveja no balcão do Bar Granada, os ursos de barba-de-pau, as vacas-quadradas (que eram montadas com caixas de papelão, sobre uma ou duas bicicletas), os mascarado-chocos nariz de gafanhoto, toda a plêiade carnavalesca.


Urania: Teve um eclipse. Se me afigurou trágica a reação de um vizinho nosso, ali na Rua Uruguai. Este fulano presenciara uma conversa de bar em que se dera como certo que estava por acabar o mundo. Isto, por ocasião do eclipse este, que seria eclipse e zapt! Pronto o mundo se acabava, sem mais! E nós, muchachitos só viemos a saber desta ameaça escatológica depois. Foi, isto sim, uma maravilha ver o pleno dia ficar esverdeado e, num repente cair a noite. Foi quando a vizinhança acudiu toda à casa do Sr. Escatológico. Fomos também. O vizinho ganhara de baixo da cama pior que tatu na toca e os familiares não conseguiam tirá-lo de lá para tomar uma água de melissa.

Sérgio Christino

Texto publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional do dia 22/09/2011 

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