sábado, 29 de dezembro de 2012

Quando a Guerra passou por aqui


3 de dezembro de 1939. Uma batalha mortal era travada a algumas centenas de quilômetros de Jaguarão. Desde o mês de agosto daquele ano, um navio havia partido do porto de Wilhelmshaven, na Alemanha. Navegando através de táticas de despiste, o Admiral Graf Spee percorreu uma rota pelo oceano Atlântico, aguardando o desenrolar do clima tenso que envolvia a Europa naquele ano em que a Alemanha nazista parecia estar a ponto de desencadear uma guerra continental. E a espera não tardaria muito. Em 1º de setembro a Polônia era invadida por tropas alemãs. E, dali em diante, o mundo viveria cinco anos de uma carnificina que envolveria todos os continentes. 

Após a declaração de guerra à Alemanha por parte da Inglaterra e da França, o jovem capitão do Graf Spee, Hans Langsdorff, iniciou a tarefa para a qual havia sido destinado. No comando do mais moderno navio de guerra de sua época, um encouraçado de 16.200 toneladas, equipado com armamento e instrumentos de navegação superiores aos seus similares ingleses e franceses, Langsdorff deveria afundar a maior quantidade de navios mercantes inimigos que encontrasse pelo caminho. Usando de camuflagens, mudando sua pintura, nome e bandeiras, e auxiliado por um “navio madrinha” chamado Altmark, que lhe reabastecia em alto mar, em três meses o Graf Spee pôs à pique nove embarcações de transporte. O surpreendente é que todos estes afundamentos não provocaram uma única morte! Avisando de sua intenção antes dos ataques, Langsdorff permitia que as tripulações deixassem seus navios, para só então afundá-los. Uma vez recolhidos à bordo, os prisioneiros eram depois deixados em algum porto neutro, ou repassados à outro navio alemão.

Contudo, as ações do Graf Spee não passariam despercebidas pelos serviços de informação britânicos. Uma caçada teve início, até o encontro final, no estuário do Rio da Prata. Três cruzadores ingleses, o Ajax, o Achilles e o Exeter, encurralaram o Graf Spee. Há muitas versões sobre as razões que levaram o capitão Langsdorff a enfrentar os navios britânicos, pois suas ordens eram para evitar o confronto direto com a marinha inglesa. Mas, certamente a confiança em seu equipamento lhe dava a sensação de superioridade. Porém, após algumas horas de um intenso canhoneio, apenas o Exeter estava fora de combate. Os outros dois, embora gravemente avariados, ainda podiam disparar. O Graf Spee, por seu lado, também se encontrava com diversas e sérias avarias, além do trágico saldo de 56 mortos. Então, Langsdorff tomou a decisão que selaria o destino de seu navio e o seu próprio. Evitando dar sequência à batalha, tomou o rumo do porto de Montevidéu, onde esperava poder fazer reparos no Graf Spee e retornar ao mar aberto. Seu combustível também estava perigosamente perto do fim. Langsdorff apenas não contava com o fato de que as autoridades uruguaias, pressionadas pela Inglaterra, iriam lhe conceder somente 72 horas para fazer os reparos. Após este prazo, teria duas opções: partir ou entregar o navio, ficando a tripulação “internada” no Uruguai até o fim das hostilidades. Estas eram as leis internacionais que definiam as ralações entre os países beligerantes e os países neutros, como era o caso do Uruguai.

Acreditando que os ingleses haviam reunido uma frota na entrada do Rio da Prata, e sem condições de combater, Langsdorff tratou de sepultar os mortos em Montevidéu e, no dia 17 de dezembro, às 18:00, acompanhado de um pequeno grupo, zarpou do porto com seu combalido navio. Menos de uma hora depois, a multidão que se juntara na orla desde a chegada do Graf Spee assistiu, atônita, como o navio explodia, envolto em uma grande nuvem de fumaça. O capitão havia decidido afundá-lo, para que não caísse em mãos inimigas. Langsdorff e vários oficiais e marinheiros conseguiram embarcar em lanchas e no Tacoma, um barco alemão, retirando-se para Buenos Aires, onde havia uma receptividade mais favorável aos alemães. Era o fim da curta vida do encouraçado. Três dias depois, em 20 de dezembro, Langsdorff tirava a sua, com um tiro, enrolado na bandeira da Marinha Imperial alemã. 

Mas se para Langsdorff a guerra terminava assim, o mesmo não se pode dizer dos oficiais e marinheiros que ficaram no Uruguai ou na Argentina. E um destes nos interessa particularmente. Entre os oficiais do Graf Spee havia cinco capitães de navio que estavam a bordo para o caso de que fosse necessário assumir o comando de algum navio mercante capturado. Paul Sörensen, foi um destes oficiais. “Internado” no Uruguai, e abusando da condição de oficial, sob os quais havia menos vigilância, Sörensen pode estabelecer contato com a comunidade germânica de Montevidéu. Foi assim que conheceu Dorotea Magerl, filha de um rico engenheiro alemão. Durante todo o ano de 1940, Sörensen conviveu com os Magerls e acabou se casando com Dorotea, em 20 de fevereiro de 1941. Ainda durante a Lua de Mel, ou seja entre o fim de fevereiro e o início de março, Sörensen e Dorotea empreenderam uma viagem até o Brasil, com o objetivo de conseguir embarcar em algum navio alemão.

Estação de Jaguarão. Aqui Sörensen e sua esposa embarcaram para Rio Grande.
Talvez estivessem presentes nesta fotografia  

Sörensen pretendia, como muitos outros colegas seus, retornar à Alemanha e lutar por seu país. E é aqui que sua história cruza com a nossa. Tomando um trem que fazia a rota Montevidéu - Rio Branco, Sörensen e sua esposa cruzaram o rio Jaguarão e, passando pela cidade, tomaram outro trem rumo à cidade portuária de Rio Grande. Podemos apenas imaginar as breves horas em que o oficial alemão esteve em Jaguarão, provavelmente sem tempo para se preocupar com o lugar, pois seu objetivo era bem outro. Infelizmente, os dados que chegaram até os dias de hoje não nos permitem saber muito mais do que esta breve conexão feita em Jaguarão. Mas sabemos ainda que Dorotea e Söronsen não conseguiram embarcar em Rio Grande. E aguardaram na praia do Cassino por dois meses. Desistindo da saída por Rio Grande, o casal retornou para o Uruguai. Não sabemos qual caminho utilizaram, podendo ser a mesma rota da viagem de vinda. Mas a história de Sörensen não termina aqui. 

Em julho de 1942 ele finalmente conseguiu embarcar em um navio português em Buenos Aires. Deixando a esposa grávida e uma filha pequena, Sörensen voltou à Alemanha. Conseguiu assumir o comando de um barco mercante e, em março de 1945, um mês antes da guerra acabar na Europa, uma tempestade, ou um ataque aéreo segundo algumas versões, afundou o navio, levando Sörensen para o fundo das águas do Mar Báltico. Assim perdia a vida aquele obstinado oficial alemão que viu seu navio ser afundado, buscou de todas as formas voltar para a guerra e, em algum dia dos inícios de 1941, passou por Jaguarão...

Artur H. F. Barcelos
Historiador, Professor da FURG

Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional, edição do dia 19/26 de dezembro de 2012. 



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