quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Tangos y Copas


Silencio à noite, está tudo calmo, a cidade dorme, ambição descansa.” Estes versos iniciais do tango Silencio, de Carlos Gardel e Lepera, cantados na versão brasileira por Dalva de Oliveira ficaram guardados na minha memória musical e poética. Meu pai era um amante da música – nos fez, a mim e meus irmãos, estudar piano e acordeon desde que entramos no primário. Morávamos no Rio Branco e com a Professora Elmita tínhamos as lições, ali mesmo na vizinhança do bairro. Era os anos 60, e na vitrola Philips, alta fidelidade, também rodavam Fumando Espero aquela que mais quero e o Lencinho branco, as minhas preferidas. Também tínhamos discos da Nora Ney e do Nélson Gonçalves, cantando versões de tangos famosos e da famosa orquestra de tangos do Maestro Donato Raciatti com toda a coleção. Se não me engano, a orquestra chegou a apresentar-se no Clube Harmonia por essa época. Mas não era só música. No rádio da vitrola (era um dois em um) escutava-se novelas, programas humorísticos e o futebol. Lembro bem que na Copa de 66 minha mãe colocava a imagem de Nossa Senhora Aparecida quando a situação para a Canarinho azedava. Não adiantou muito, mas acho que os dois de falta contra a Bulgária tiveram a mão da Santa. Tivemos de esperar até 1970 para levantar o caneco do tri, mas agora não era mais pelo rádio que acompanhávamos, era pela TV, dos vizinhos e do tio Monteiro em Jaguarão.

Desse esforço do Velho na nossa educação, quem vingou mesmo na música foi minha irmã maior, professora e ainda eximia em Chopin, Bach, Lizt e Schubert, no antigo piano berlinense comprado em Montevidéu. Outro ainda arranha uns acordes de baião no acordeón. A menor chegou a tocar alguna milonga na guitarra com el professor Basílio Morales. Eu, fiz 2 anos de piano , mas o que gostava mesmo era do ritmo. Tive uma carreira musical breve, digamos que numa Academia de Cantos de Cisne. Sobrou o legado de uma cultura musical que ousaria dizer rebuscada.

Porém não falo do passado com melancolia. Esta nostalgia é acompanhada de um certo sorriso no rosto. Apesar de termos sido criados numa filosofia católica de culto ao sofrimento. Há uma lenda de que o menino Jesus quando nasceu recebeu três presentes dos reis magos. O primeiro foi o Passado, para ter saudade e sofrer. O Segundo foi o Futuro, para desejar e sofrer e o Presente, oprimido por esses dois, para sofrer.

Mas sempre é bom relembrar o passado. Inclusive para poder avaliar o presente e projetar o futuro. Antigamente lutávamos por Ensino público e gratuito, hoje os alunos da Unipampa em Jaguarão lutam por ar condicionado nas salas de aula e já conquistaram uma Casa de Estudantes, cuja construção já foi licitada. Avançamos, não há dúvida. Recordam que reivindicava-se para o trabalhador um salario minimo de 100 dólares? Era bandeira de luta do senador Paim. Hoje deve valer um pouco mais de 300. Recordam-se da dívida externa impagável ? Hoje nem se fala mais disso. Para terminar, dizem que Lula trouxe a Copa do Mundo e as Olimpíadas, FHC trazia o FMI.

Jorge Passos

Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 05/02/2014

Nenhum comentário:

Clandestino - Gilberto Isquierdo e Said Baja

  Assim como o Said, milhares de palestinos tiveram de deixar seu país buscando refúgio em outros lugares do mundo. Radicado nesta fronteir...