quinta-feira, 25 de maio de 2017

Os Concertos de Brandenburgo, de Johann Sebastian Bach


Há uma série cômica de livros ingleses que nos ensina a como blefar culturalmente, a como falar sobre coisas que absolutamente desconhecemos.  A série chama-se Manual do Blefador e divide-se em Literatura, Música, Filosofia, Artes Plásticas, etc. No livrinho de Música, o verbete Bach diz o seguinte: se você quiser impressionar um chefe ou uma potencial futura namorada ou namorado que conheça Bach, jamais tente enganá-los, pois a obra do compositor é muito grande, de alta qualidade — as pessoas tornam-se fanáticas por ele — e não se pode adivinhar sobre o que fanático vai querer falar aquele dia. Então o jeito é preparar o melhor suspiro possível e dizer dramaticamente “Ah… Bach!”, indicando que está absolutamente sem palavras. Deixe que o outro fale.
É sempre surpreendente o tamanho e o grau de influência de Bach, assim como sua colocação como pedra fundamental de toda a cultura musical. E o mundo criado por Bach foi desenvolvido numa época em que não havia plena noção de obra; ou seja, Bach não se colecionava para servir à posteridade como os autores passaram a fazer logo depois. Ele escrevia para si, para seus alunos e contemporâneos. O que se sabe é que ele gostava das coisas bem feitas e era um brigão — passava grande parte de seu tempo solicitando mais e melhores músicos e procurando empregos mais rendosos. Tinha família enorme, conta-se 20 filhos, dos quais dez passaram pela alta mortalidade infantil do início do século XVIII. Mas sabe-se pouco a respeito de suas opiniões e vida interior, há apenas um episódio pessoal bem conhecido:
Johann Sebastian havia feito uma longa viagem de trabalho e ficara dois meses fora. Ao retornar, soube que sua mulher Maria Barbara e dois de seus filhos haviam falecido. Dias depois, Bach limitou-se a escrever no alto de uma partitura uma frase: “Deus, fazei com que seja preservada toda a alegria que há em mim!”. Pouco tempo depois ele casou de novo, continuou fazendo um filho após o outro e, como não existiam, na época, equipes de futebol, ele pode forjar, em seu próprio seio familiar, uma orquestra de câmara… Realmente, ouvir Bach é uma alegria; dá para perceber naqueles contrapontos malucos uma risada contra a fixidez da forma musical barroca.
The Neues Bach Denkmal meaning new Bach monument
stands since 1908 in front of the St Thomas Kirche
 church where Johann Sebastian Bach is buried in Leipzig Germany
Bach costumava ganhar mais que seus pares, mas nada que fosse espantoso. Era respeitado mais como virtuose do que como compositor — Telemann era considerado o maior compositor de sua época. Nosso herói também produzia cerveja em casa, mas este é um tema sobre o qual podemos falar futuramente.
A enormidade e a perfeição daquilo que Bach criava e que era rápida e desatentamente fruída pelos habitantes das cidades onde viveu, era inacreditável. Tentamos dar dois exemplos: (1) Suas obras completas, presentes na coleção Bach 2000, estão gravadas em 153 CDs da mais perfeita música. Grosso modo, 153 CDs são 153 horas ou mais de 6 dias ininterruptos de música original. E, (2), ele parecia divertir-se criando dificuldades adicionais em seus trabalhos. Muitas vezes o número de compassos de uma ária corresponde ao capítulo da Bíblia onde está o texto daquilo que está sendo cantado. Em seus temas aparecem palavras — pois a notação alemã (não apenas a alemã) é feita com letras — e suas fugas envolvem verdadeiros espetáculos circences que só podiam ser apreendidas por especialistas. Em poucas palavras, pode-se dizer que o velho sobrava… E imaginem que durante boa parte de sua vida Bach escrevia uma Cantata por semana. Em média, cada uma tem 20 minutos de música. Tal cota, estabelecida por contrato, tornava impossível qualquer “bloqueio criativo”. Pensem que ele tinha que escrever a música, copiar as partes e ainda ensaiar para apresentar domingo.
Príncipe Leopoldo de Köthen

Poucas obras musicais são tão amadas e interpretadas como os seis Concertos de Brandenburgo de Johann Sebastian Bach. Tais concertos exibem uma face mais leve do gênio de Bach e, na verdade, fizeram parte de um pedido de emprego. Em 1720, aos 35 anos, Bach parecia feliz em Köthen. Ganhava adequadamente, seu patrono não só amava a música como era um músico competente. O príncipe Leopoldo de Köthen, do principado de Anhalt-Köthen, parte do Sacro Império Romano Germânico, gastava boa parte de sua renda para manter uma orquestra privada de 18 membros e convidava artistas viajantes para tocar com eles. Como calvinista, o Príncipe Leopoldo utilizava pouca música religiosa, liberando Bach para compor e ensaiar música instrumental secular. No entanto, o relacionamento pode ter azedado quando Bach solicitou a compra de um órgão. O pedido foi rejeitado.
A capa dos concertos dedicados ao Margrave de Brandenburgo

Então, em 1721, Bach apresentou-se ao Margrave (comandante militar) Christian Ludwig de Brandenburgo com um manuscrito encadernado contendo seis concertos para orquestra de câmara com base nos Concerti Grossi italiano. Não há registro de que o Marqrave tenha sequer agradecido a Bach pelo trabalho — e muito menos pago por ele. O Margrave jamais imaginaria que aquele caderno — mais tarde chamado de Concertos de Brandenburgo — se tornaria uma referência da música barroca e ainda teria o poder de mover as pessoas quase três séculos mais tarde.
O Margrave de Brandenburgo Christian Ludwig
Em outras palavras, Bach escreveu os Brandenburgo como uma espécie de demonstração de suas qualidades, um currículo para um novo emprego. A tentativa deu errado. O Margrave de Brandenburgo nunca respondeu ao compositor e as peças foram abandonadas, sendo vendidas por uma ninharia após sua morte. Mesmo rejeitados, osConcertos de Brandenburgo sobreviveram em seus manuscritos originais, aqueles que tinham sido enviados para o Margrave de Brandenburgo no final de março de 1721. O título que Bach lhes dera era o de: “Six Concerts avec plusieurs instruments” (“Seis Concertos para diversos instrumentos”).
Os Brandenburgo foram encontrados no inventário do Margrave em um lote maior de 177 concertos, entre “obras mais importantes” de Valentini, Venturini e Brescianello. Logo após a morte de Bach, sua música instrumental foi esquecida. Só sua música religiosa permaneceu, ainda que pouco interpretada.
Os Concertos de Brandenburgo são destaques de um dos períodos mais felizes e mais produtivos da vida de Bach. É provável que o próprio Bach tenha dirigido as primeiras apresentações em Coethen. O nome pelo qual a obra é hoje conhecida só apareceu 150 anos mais tarde, quando um biógrafo de Bach, Philipp Spitta, chamou-os assim pela primeira vez. O nome pegou.
Bach pensava nos concertos como um conjunto separado de peças. Cada um dos seis concertos requer uma combinação diferente de instrumentos, assim como solistas altamente qualificados. O Margrave tinha sua própria orquestra em Berlim, mas era um grupo de executantes em sua maioria medíocre. Todas as evidências sugerem que estes concertos adequavam-se mais aos talentos dos músicos de Coethen.
Ora, como é que uma cidade provinciana tinha tão excelentes músicos? Pouco antes de Johann Sebastian ter chegado à cidade, um novo rei tinha assumido o trono da Prússia. Frederico Guilherme I tornou-se conhecido como o “Soldado Rei”, porque estava interessado na força militar do seu reino, não em atividades artísticas refinadas. Um dos primeiros atos reais foi dissolver a prestigiada orquestra da corte de Berlim. Sete destes músicos foram trabalhar em Coethen para o Príncipe Leopold.
É por isso que Bach encontrou uma rica cena musical quando lá começou a trabalhar em 1717. Acostumou-se ao luxo de escrever para virtuosos, como o caso do trompete do Concerto Nº 2 e do violino do Nº 4.
Joshua Rifkin oferece uma explicação para que os Brandenburgo fosse ignorados por quem os recebera: “Como iria acontecer tantas vezes em sua vida, o gênio de Bach criava obras acima das capacidades dos músicos comuns e por isso eram esquecidas. Só mesmo em Coethen poderiam ser interpretadas!”. Com efeito, os Concertos permaneceram desconhecidos por meia dúzia de gerações, até que foram finalmente publicados em 1850, em comemoração ao centenário da morte de Bach. Mesmo assim, sua popularidade teria de esperar pelos toca-discos.
Os Concertos de Brandenburgo talvez sejam um dos maiores exemplos do pensamento criativo de Bach, pois compreende estilo contrapontístico, variedade de instrumentação, complexa estrutura interna e enorme profundidade. Eles não se destinavam a deslumbrar teóricos ou a desafiar intelectuais, mas sim causar puro prazer a músicos e ouvintes.
Manuscrito do terceiro Concerto de Brandeburgo de Bach
O concerto era a forma mais popular de música instrumental durante o barroco tardio, o principal veículo de expressão para os sentimentos, papel depois assumido pela sinfonia. Cada Brandenburgo segue a convenção do concerto grosso, em que dois ou mais instrumentos solo são destacados de um conjunto orquestral. Os concertos também observam a convenção de três movimentos, rápido-lento-rápido.
O único Concerto em quatro movimentos é o primeiro, ao qual foi adicionada uma dança final. Sua orquestração é incomum, podendo ser chamado de “concerto sinfonia.” Talvez Bach quisesse dar um começo forte e rústico, destinado a alguém preguiçoso que fosse julgar o conjunto apenas por sua abertura. No entanto, apesar de seu apelo imediato para os ouvidos conservadores, cada movimento tem a marca de Bach.
Os outros concertos estão mais próximos do modelo de concerto grosso padrão. Para o gosto deste que vos escreve, apesar de suas qualidades, o pesado Concerto Nº 1 é o patinho feio da coleção. É a partir do Concerto Nº 2 — para violino, flauta, oboé e trompete — que a leveza, a ousadia e a invenção tomam conta do conjunto, indo até o final. Na minha opinião, os concertos de Nº 3, 4 e 5 são insuperáveis.
O concerto Nº 3 for escrito para 3 violinos, 3 violas, 3 violoncelos e contínuo, formado normalmente por cravo e contrabaixo.
O Nº 4 foi escrito para violino e duas flautas. O 5º para flauta transversa, violino e cravo.
A enorme inventividade de Bach também reside nas curiosas combinações instrumentais: no quarto, por exemplo, o grupo habitual de cordas e contínuo acompanham o violino solo e duas flautas em um discurso musical brilhante. No quinto, Bach faz uso de uma flauta transversal, de violino e do cravo, mas o que resulta parece ser um antecessor dos grandes concertos para teclado. Ouçam, para exemplo, sua elaboradíssima cadenza do primeiro movimento.
Sem prejuízo dos outros concertos do ciclo, faço uma menção àquele que me trouxe para “dentro” da música erudita: o terceiro, que foi projetado para três grupos instrumentais que consistem em três violinos, três violas e três violoncelos, mais baixo contínuo. Escrito em três movimentos, com o segundo sendo um passeio no campo da improvisação, tem no primeiro e terceiro movimentos fascinantes e alegres temas e contrapontos, verdadeira exposição do virtuosismo de Bach como compositor. Para mim, ele é “o concerto barroco por excelência”.
(Sim, eu estava no banheiro quando meu pai colocou a agulha do toca-discos no começo do Concerto Nº 3. Saí de lá aos gritos, perguntando o que era aquilo. Nunca me recuperei).
Em minha cabeça, esses concertos são das peças mais tocadas. Muitas vezes caminho pelas ruas assobiando-as. E tenho a melhor das convivências com elas).

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Retalhos - Alessandro Gonçalves

Exílios da Vida com Mário Barbará

Em sua coluna Paralelo 30,  do Segundo Caderno de ZH publicada na edição de 19 de maio de 2017, o crítico musical Juarez Fonseca escreve assim sobre o CD RETALHOS  de Alessandro Gonçalves:

"Natural de Jaguarão, destacado cantautor do sul do Estado, Alessandro Gonçalves ainda é pouco conhecido nas outras regiões. Com este terceiro álbum talvez consiga audições maiores, pois além de ótima música (com predomínio de milongas), o disco tem participações especiais de grandes nomes.

Melodista inspirado, Alessandro também é um letrista que chama a atenção pela variedade temática e a filosofia de caminhante. Está entre os renovadores do regionalismo gaúcho surgidos nos anos 2000.

RETALHOS, diz, é um resumo de sua obra de 20 anos; e os convidados são pessoas que ajudaram a formar sua personalidade musical. entre eles, Renato Borghetti, Mário Barbará, Pirisca Grecco, Marco Aurélio Vasconcellos, Chico Saratt, Luiz Marenco, Ângelo Franco, Robledo Martins, Maria da Conceição, os parceiros de fé Martim César e Paulo Timm. Violões e piano marcam a maioria das músicas, com as assinaturas de nada menos que sete arranjadores" 

CLIQUE AQUI para escutar o CD RETALHOS completo no Spotify. 

Portugal Tornou-se Ilha - Marco A Vasconcellos e Martim César



Em seu livro Jangada de Pedra Saramago escreveu que a península Ibérica teria se largado ao mar. Nós imaginamos que Portugal pensou em vir para o Brasil. 

Saramago nos diz: Um dia que já la vai, D. João o Segundo, nosso rei, perfeito de cognome e a meu ver humorista perfeito, deu a certo fidalgo uma ilha imaginária, diga-me você se sabe doutro país onde pudesse ter acontecido uma história como esta. E o fidalgo, que fez o fidalgo, foi-se ao mar à procura dela, gostaria bem que me dissessem como se pode encontrar uma ilha imaginária. A tanto não chega a minha ciência, mas esta outra ilha, a ibérica, que era península e deixou de o ser, vejo-a eu como se, com humor igual, tivesse decidido meter-se ao mar à procura dos homens imaginários.  

Texto do CD Doze Cantos Ibéricos & uma canção brasileira


sexta-feira, 12 de maio de 2017

De Bilheteiros e sua sorte “MUI” Grande

Da esquerda para a Direita: Buré, Kayné, Bebeto

Por José alberto de Souza

Don Ramón trabalhava na Aduana uruguaia da Ponte Internacional Mauá (Rio Branco) e, ao que me consta, tinha seus “bicos” como agente do magazine London Paris, de Montevidéu, capital daquele país vizinho.
Como tal, costumava ir até Jaguarão, no lado brasileiro, para repassar o volumoso catálogo daquela conceituada casa comercial a meu tio Cantalício Resem. Para mim, menino ainda, era uma tentação folhear as páginas da esmerada publicação, sem exigir aquisição de qualquer produto ali exposto, cuja encomenda era decidida por quem dispunha dos recursos necessários.
Pois este catálogo e mais as figurinhas do chocolate Águila, então adquirido “allá de la puente”, ainda permanecem fixados nas recordações duma longínqua infância. Lembro ainda que Don Ramón era irmão de cor e sangue de Frederico, que morava e vendia bilhetes de loteria em nossa cidade. Ambos negros elegantes bem vestidos, mas que se distinguiam falando cada qual o idioma da localidade em que residiam, já que seriam “hermanos” apartados por duas pátrias com um mesmo berço de origem – o que bem caracterizava o nosso amálgama fronteiriço.
E assim me esforço para trazer a mente outros bilheteiros como a admirável figura humana do saudoso Buré, deficiente físico com defeito em ambos os pés e dificuldades na fala, mas com uma notável capacidade de superação. Buré morava bem longe, lá pelos subúrbios da capela São Luiz, e se deslocava de pés descalços até a zona central de Jaguarão, sem recursos na época para usar sapatos especiais. Torcedor fanático do Navegante Esporte Clube, insinuava-se pelas mesas do Café do Comércio, sempre bem recebido e generosamente aquinhoado com o troco do cafezinho.
Fui-me da querência e andei por outros rincões, sem que deixasse de chegar inúmeras vezes por lá para rever amigos e parentes. E Buré que ali ficou, quando me enxergava sempre tinha seu bilhete com a saudação cordial, enquanto eu notava uma transformação gradual em sua vestimenta e aspecto físico, alcançando almejado par de sapatos, além de roupas limpas e chapéu que lhe garantiam uma melhor qualidade de vida. Como resultado da profícua e honesta atividade que exercia.
Remexendo no subconsciente, surge-me uma época em que frequentava a casa de meu primo Anysio de Souza Resem, vizinho da residência e oficina mecânica de Cláudio “Sheda” de Freitas, ali fazendo amizade com a turma vizinha que me acolheu na esplanada das figueiras de trás do Mercado Público, onde o pessoal corria atrás de uma bolinha de meia, muito bem tratada por um negrinho franzino, conhecido por Hiria, abusando de dribles desconcertantes. Paulinho e Adão, da família do “Sheda” e mais Ercio Gentil eram outros companheiros inesquecíveis.
O “campinho” se situava entre a Usina Elétrica e o Mercado, no início da Rua 27 de Janeiro e, na outra rua paralela, XV de Novembro, havia um amplo largo totalmente desocupado até começarem as obras de construção da Capitania dos Portos. Cercada de tapumes, que a gente dava jeito de invadir para dar vazão às travessuras imaginadas num esconderijo das vistas de qualquer passante na Avenida 20 de Setembro (Beira Rio), propício para assombrar algumas pessoas inadvertidas nas horas mais sossegadas. Para dar o tom de alma penada, eu ainda arranhava na gaitinha de boca.
Numa dessas ocasiões, circulava ali na Beira Rio o bilheteiro castelhano Marrecão, baixote e troncudo, buscando algum cliente para acenar com a sorte grande. Não deu outra – na linha de frente, a artilharia de estilingues se preparou e lançou as bolinhas de cinamomo (paraíso), pegando em cheio o incauto que logo se virou para ver de onde vinha aquela saraivada. Intrigado, aceitou a trégua e seguiu seu caminho. Ai resolvi soprar a gaitinha para assistir os companheiros correndo de um lado para outro, o que me obrigou a seguir atrás até me topar com Marrecão adentrando o recinto. Não chegou agarrar nenhum de nós, mas não deixou de dar queixa ao Sheda e, a partir do dia seguinte, este colocou seus guris no batente da oficina e ponto final em nossa diversão.
Fonte do artigo: Blog Poeta das Águas Doces


Clandestino - Gilberto Isquierdo e Said Baja

  Assim como o Said, milhares de palestinos tiveram de deixar seu país buscando refúgio em outros lugares do mundo. Radicado nesta fronteir...